A economia solidária e a autogestão seguem vivas no Brasil — não como promessas distantes, mas como experiências concretas de resistência e reinvenção do trabalho. São centenas de iniciativas espalhadas pelo país, surgindo onde o mercado tradicional não chega e onde o Estado muitas vezes falha.
A força da solidariedade
A economia solidária abriga cooperativas, associações, grupos de produção coletiva, bancos comunitários, feiras e redes de troca. São empreendimentos que não visam o lucro individual, mas o bem comum. São espaços onde o trabalho é organizado por quem o executa, e os frutos são divididos com justiça.
Essas experiências brotam, sobretudo, entre populações historicamente excluídas: mulheres periféricas, juventudes urbanas, comunidades indígenas e quilombolas, trabalhadores informais, catadores de materiais recicláveis, agricultores familiares. Ali, a autogestão deixa de ser um conceito e se torna prática cotidiana, mesmo que ainda precária em muitos casos.
Autogestão: prática em construção
A autogestão é um dos pilares da economia solidária. Mas ela enfrenta desafios profundos: falta de formação técnica, dificuldades de acesso a crédito, burocracias fiscais e jurídicas, e a ausência de políticas públicas estruturantes.
Muitos empreendimentos ainda oscilam entre a intenção de serem autogestionários e a prática real de uma democracia interna efetiva. Em muitos casos, as desigualdades sociais, raciais e de gênero acabam sendo reproduzidas, mesmo em espaços solidários. A formação continuada e o fortalecimento político dessas organizações são, portanto, urgentes.
Retrocessos institucionais e novas esperanças
A economia solidária sofreu retrocessos severos nos últimos anos, especialmente com o fim da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e a desestruturação das políticas públicas voltadas ao setor. Apesar disso, experiências locais seguem ativas em diversos municípios e estados, ainda que de forma desarticulada e fragilizada.
A reestruturação recente do Ministério do Trabalho e Emprego reacendeu esperanças nos movimentos sociais, que pressionam pela retomada de políticas nacionais de fomento à economia solidária. Ainda assim, os resultados concretos são tímidos frente à dimensão da crise social e da exclusão estrutural que persiste.
O que pode sustentar a economia solidária?
Para que a economia solidária deixe de ser alternativa marginal e se torne parte de um novo modelo de desenvolvimento, alguns caminhos se mostram indispensáveis:
Educação para a autogestão: formar sujeitos cooperativos e conscientes é o alicerce para práticas democráticas e justas;
Intercooperação real: como costumo dizer, a sustentabilidade só virá com a intercooperação — a cooperação entre cooperativas, criando redes solidárias de produção, comercialização e consumo;
Tecnologia a serviço da solidariedade: plataformas digitais cooperativas, moedas sociais digitais, redes de crédito mútuo e sistemas descentralizados podem potencializar a autonomia;
Territórios solidários: fortalecer bases territoriais com vínculos culturais, ecológicos e comunitários.
Conclusão
A economia solidária e a autogestão não são utopias distantes: são práticas vivas, embora ainda frágeis, que precisam de apoio, visibilidade e articulação para florescer plenamente. Neste cenário, a intercooperação se revela como chave para a sustentabilidade de um modelo que põe o ser humano, o trabalho digno e o bem viver no centro do desenvolvimento.